segunda-feira, 6 de abril de 2009

Profissão de Deus

quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço,
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento

Paulo Leminsk

Saiba um pouco mais sobre Leminsk

Mestiço de polaco com negra, Paulo Leminski nasceu na cidade de Curitiba, Paraná, em 24 de agosto de 1944. Desde os 18 anos, aproximadamente, esteve envolvido com a literatura, participando de congressos e concursos em todo o Brasil. Desde muito cedo, Leminski inventou um jeito próprio de escrever poesia, preferindo poemas breves, muitas vezes fazendo haicais (poema japonês de três versos), trocadilhos, ou brincando com ditados populares. Aos 20 anos, publicou seus primeiros poemas na revista Invenção. Na década de 70, teve poemas e textos publicados em diversas revistas de sua cidade natal - como Corpo Estranho, Muda Código, Raposa - e lançou o seu ousado Catatau, que denominou "prosa experimental", em edição particular. Em 1983, o poeta passou a publicar pela editora Brasiliense, o que o fez conhecer o sucesso. Passou, então, a colaborar no Folhetim do jornal Folha de S. Paulo, a resenhar livros de poesia para a revista Veja e a participar do Jornal de Vanguarda da TV Bandeirantes. Como compositor, teve músicas gravadas por Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, Itamar Assumpção, Ney Matogrosso, por grupos como A cor do Som e Blindagem, e parcerias com Moraes Moreira. Paulo Leminski foi também faixa-preta e professor de judô, poliglota e tradutor, professor de história e de redação em cursos pré-vestibulares, diretor de criação e redator de publicidade. Para o público infanto-juvenil escreveu em 1986, Guerra dentro da gente e, em 1989, A lua foi ao cinema. O poeta morreu no dia 7 de junho de 1989. Em sua homenagem, foi inaugurado o Espaço Cultural Paulo Leminski, teatro multimídia ao ar livre, na antiga pedreira municipal de Curitiba, no mesmo ano.

Conheça mais sobre o poeta no site: http://users.sti.com.br/efres/Leminski/kamiquase.htm



Verdura

De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que te vi
o dia em que me viste

De repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana.

(Poesia de Leminsk, musicada por Caetano Veloso)

Caetano Veloso - Verdura


Sintonia para pressa e preságio
(
incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século")

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.

Sôo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.

Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.

Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra

(Paulo Leminsk)

Amor, então também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
Que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
DESENCONTRÁRIOS

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

RAZÃO DE SER

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito
são suas obras completas.

LÁPIDE 2
epitáfio para a alma

aqui jaz um artista
mestre em disfarces

viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte

deus tenha pena
dos seus disfarces


Amor Bastante

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto



Apagar-me


Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.